domingo, março 19, 2006

Analfabetismo geográfico

Transcrito do Blog do meu grande amigo Profº Donarte Santos

Nós, a maioria, ou pelo menos alguns, já ouvimos dizer que os estadounidenses têm como centro do mundo seu umbigo, que não sabem nada de Geografia, etc. Há quem já ouviu norte americanos afirmarem que a Amazônia não é brasileira e sim uma área semelhante a Antártida, uma reserva mundial (por mais que alguns E-Mail's neguem isso, os relatos são verdadeiros). Em verdade isso possui um embasamento histórico muito forte. Não pretendo aqui defender uma tese a esse respeito, pois seria necessária, para isso, uma volta muito grande na história norte – americana. Apresento tão somente alguns trechos do livro do professor José William Vesentini1:

Obs: O mapa acima não está “errado”, apenas trata-se de uma visão cartográfica tendo o Oceano Pacífico como ponto central. O que o torna tão "estranho" é que o norte está voltado para baixo.


"Nos anos 1970, criou-se nos Estados Unidos a expressão “analfabetismo geográfico” (geographic iliteracy), diante da constatação da enorme carência de conhecimentos geográficos que existia entre a população em geral e entre os estudantes em particular. Os educadores daquele país e a mídia, ou meios de comunicação (jornais, revistas, televisão e rádio), logo fizeram uma campanha para denunciar esse problema. Veja o cartum abaixo sobre o assunto, de autoria de Garry Trudeau, publicado no jornal The Guardian em 1988.


O analfabetismo geográfico tinha - e, em parte, ainda tem - indesejáveis conseqüências práticas. Veja estes exemplos:
  • Nos anos 1980, uma empresa de aviação norte americana teve enormes prejuízos ao tentar entrar no mercado brasileiro, porque servia comida mexicana em seus aviões e treinou seus funcionários em espanhol, imaginando ser esse nosso idioma.
  • A maior rede de comércio varejista também fracassou em seus primeiros anos de negócio no Brasil, pois entulhou suas lojas com artigos impróprios ao nosso clima e aos nossos hábitos: roupas para esquiar, agasalhos para o frio do Alasca, tacos de beisebol, etc.

Existem ainda centenas ou talvez até milhares de exemplos semelhantes, em relação não só ao Brasil, mas também a inúmeros países da América Latina, Ásia, África e até Europa.
Depois de constatar o analfabetismo geográfico nos Estado Unidos, as autoridades e os educadores daquele país logo partiram para a ação e realizaram uma Semana de Conscientização Geográfica (Geography Awareness Week) em junho de 1987, no Congresso Nacional, em Washington. Nos anos 1990, promoveram uma radical reforma do seu sistema escolar, no qual, entre outras mudanças, aumentaram o número de aulas de geografia por semana e modificaram o seu currículo. Acabaram com a geografia tradicional descritiva e procuraram ligar a geografia com a vida, com os problemas do mundo, do país e do lugar onde a escola está inserida. Vejamos agora alguns trechos de falas proferidas durante essa semana no Congresso norte - americano:

  • “Todos nós no congresso imaginamos que é de vital importância melhorar nosso sistema educacional, se quisermos manter nossa posição competitiva na economia mundial. Como parte desse esforço, devemos assegurar de que os jovens americanos tenham uma clara compreensão de como o mundo é e quais são as influências humanas geograficamente positivas” (senador Edward Kennedy).
  • “Dependemos de uma população bem informada para manter os ideais democráticos que fizeram a grandeza deste país. Quando 95% de nossos estudantes universitários não conseguem localizar o Vietnã num mapa múndi, devemos nos alarmar. Quando 63% dos americanos que participam de uma pesquisa nacional feita pela CBS e pelo jornal Washington Post dar o nome das duas nações envolvidas nas conversações SALT2, estamos falhando em educar nossos cidadãos a competir nesse mundo cada vez mais interdependente” (senador William Bradley)
  • “Ignorar a geografia é uma atitude irresponsável. Ela é tão importante para os negócios e a política doméstica quanto para as decisões militares e de política exterior” (Gilbert Grasvenor, presidente da Sociedade Nacional de Geografia dos Estados Unidos).

1José William Vesentini é Doutor e Livre Docente em Geografia e Professor e Pesquisador no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). Leciona e orienta alunos nos cursos de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado).
2SALT: sigla em inglês das Negociações para Limitações de Armas Estratégicas - (Estrategic Arms Limitation Talks), que ocorreram nos anos 1970 entre as duas superpotências da época, Estados Unidos e União Soviética.)".

FONTE: (VESENTINI, José William. “Sociedade e Espaço: geografia geral e do Brasil”. São Paulo: Ática, 2005, p. 9 - 11).

domingo, março 05, 2006

Para a realização dos estudos geográficos


Para a realização dos estudos e pesquisas geográficas, podemos ainda hoje, segundo o professor Manoel Correia de Andrade, utilizar os princípios científicos da geografia enriquecidos de novas reflexões metodológicas, bem como as técnicas modernas forneci­das pelo desenvolvimento tecnológico. Esses princípios são ferramentas que nos auxiliam no estudo dos fatos geográficos. São eles:

princípio da extensão - ao estudar um fato geográfico ou uma área, dever-se-ia, inicialmente, procurar localizá-la e estabelecer os seus limites, ou seja, delimitar e localizar os fatos estudados;

princípio da analogia - a área em estudo pode ser comparada com o que se observa em outras áreas, estabelecendo-se semelhanças e diferenças;

princípio da causalidade - observados os fatos, dever-se-ão procurar as causas que os determinaram, estabelecendo-se relações de causa e efeito;

princípio da conexidade - os fatos geográficos (físicos e humanos) não agem sozinhos e separadamente na formação da paisagem. Há uma interligação entre os fatores que explicam esses fatos. A idéia de interdisciplinaridade aparece neste princípio.

princípio da atividade - o fato geográfico é dinâmico, o espaço geográfico está em perpétua reorganização, em constante transformação, graças à ação ininterrupta de vários fatores. A compreensão do presente depende de uma análise do passa­do, ou seja, do estudo auxiliar da história.

Adaptado de: ANDRADE, M. C. de. Geografia Econômica. 7. ed. São Paulo: Atlas. 1981.


Para o geógrafo Milton Santos, o estudo da geografia faz parte da compreensão da sociedade, sendo então funda­mental a definição de seu objeto:

“A sociedade, que deve ser, finalmente, a preocupação fundamental de todo e qualquer ramo do saber humano, é uma sociedade total. Cada ciência particular se ocupa de um de seus aspectos. O fato de a sociedade ser global consagra o princípio da unidade da ciência. O fato de essa realidade total, que é a sociedade, não se apresentar a cada um de nós, em cada momento e em cada lugar, senão sob um ou alguns de seus aspectos, justifica a existência de disciplinas particulares. Isso não desdiz o principio da unidade da ciência, apenas entroniza outro princípio fundamental, que é o da divisão do trabalho científico. [...]”.

Em nosso caso particular isso supõe o reconhecimento de um objeto próprio ao estudo geográfico, mas isso não basta. [...] Se queremos alcançar bons resultados nesse exercício indispensável devemos centralizar nossas preocupações em torno da categoria - espaço - tal qual ele se apresenta, como um produto histórico. São os fatos referentes à Gênese, ao funcionamento e à evolução do espaço que nos interessam em primeiro lugar.”

Fonte: SANTOS, M. Por uma Geografia Nova. São Paulo: Hucitec, 1996.